Por Geovane Viana
O Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) segue como uma das principais portas de entrada para o ensino superior no Brasil — e ganha contornos próprios quando olhamos para realidades como a da Bahia, onde a quantidade de inscritos, as trajetórias escolares e os desníveis sociais moldam resultados e expectativas.
Segundo dados recentes do INEP, a Bahia registrou mais de 475 mil inscrições para o ENEM 2025, sendo grande parte de concluintes da rede pública. No plano das oportunidades, o ENEM alimenta sistemas decisivos para o acesso à universidade — como o Sisu, o Prouni e o Fies — que colocam no mesmo espaço candidatos de escolas públicas, particulares, cursinhos pagos e cursinhos populares. Na Bahia, o Sisu oferece milhares de vagas que podem ser ocupadas por quem obtiver boa pontuação no exame, incluindo universidades federais e estaduais.
Mas o ENEM também espelha desigualdades. Pesquisas sobre os microdados do exame apontam diferenças persistentes por renda, raça e tipo de escola. Isso mostra que a nota do candidato depende não apenas do esforço individual, mas também de fatores estruturais — como a qualidade da escola, o acesso a material de estudo, o tempo livre para se preparar e o apoio emocional recebido.
É nesse cenário que ganham força as iniciativas comunitárias e as políticas públicas. Em 2025, a chamada pública do Ministério da Educação para fortalecer a Rede Nacional de Cursinhos Populares (CPOP) deu novo fôlego a projetos sociais, garantindo suporte técnico e remuneração para equipes que atuam diretamente com estudantes de baixa renda. Esse tipo de apoio não é apenas financeiro: é um reconhecimento do papel dos cursinhos populares como pontes reais de acesso à universidade.
Em cidades como Vitória da Conquista, o esforço se multiplica. Alunos chegam ao ENEM vindos de escolas públicas e particulares, cursinhos privados, cursinhos populares, grupos de estudo ligados a ONGs, igrejas e coletivos comunitários. Entre eles há jovens que estão concluindo o ensino médio e adultos que retomaram os estudos depois de anos. Essa diversidade mostra que o ENEM é mais do que uma prova: é um encontro de histórias e trajetórias em busca de oportunidades.
Os desafios são muitos — lacunas de aprendizagem, pressão emocional, falta de recursos e o cansaço da jornada dupla entre trabalho e estudo. Essas barreiras afetam especialmente quem vem de contextos mais vulneráveis. Ainda assim, o exame representa esperança: cada ponto conquistado pode significar o início de uma nova caminhada, muitas vezes a primeira de uma família inteira dentro da universidade.
Projetos como o Pré-Vestibular Solidário (PVS), ligado ao Instituto Incluso e idealizado por este autor, atuam justamente nesse campo de transformação. Criado há 18 anos, o PVS começou com aulas voluntárias e hoje conta com uma equipe qualificada. Em 2025, o projeto ganhou novo impulso com o apoio do Governo Federal, por meio do edital CPOP, conduzido pela gestão do presidente Lula, o que possibilitou a oferta de bolsas para os alunos e remuneração para os professores. Esse tipo de política pública é fundamental para fortalecer projetos comunitários e ampliar o acesso à educação de qualidade.
A turma do PVS representa bem a diversidade da educação brasileira: maioria de mulheres, com presença marcante de negros, pardos e pessoas de mais idade — um retrato vivo de que o sonho universitário não tem idade nem origem. Os projetos comunitários e as políticas públicas de reparação e inclusão educacional desempenham um papel essencial ao mudar o rosto da universidade brasileira, tornando-a mais diversa, acessível e representativa.
Escrevo estas linhas não apenas como coordenador de um projeto, mas como alguém que viveu essa transformação. Sei bem o que significa ser o primeiro da família a entrar na universidade — e, no meu tempo, nem existia o ENEM. Hoje, esse exame é o que permite a milhares de jovens abrir caminhos que antes pareciam inalcançáveis. Cada aprovação representa uma conquista individual, mas também coletiva: é a família, a comunidade e a história de vida de cada estudante entrando pela porta da universidade. Acessar o ensino superior é abrir novos sonhos, novos caminhos e novas possibilidades de futuro — e é isso que dá sentido a todo esse trabalho.
